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sábado, 27 de outubro de 2012

A palavra que age (transcrição de um vídeo)

Transcrição do vídeo,cujo nome é  Mbaraka – A palavra que age.


 Vídeo:

Mbaraka – A palavra que age from Tekoa Virtual Guarani on Vimeo.


Palavras ditas por Atanásio - Aldeia Limão Verde
Para mim o canto-dança tradicional não acabou.
Nós o recebemos pelos mensageiros de nosso grande pai Tupã.
Foi de Tupã, o Senhor do Grande Falar, que vieram as rezas.
Karavie, Araryvusu, Tanimbu Guasu e outras divindades são os mensageiros de Tupã.
Eles vêm do início do mundo e desceram à terra para nos alimentarem.
Nessas divindades, nós vivemos.
Jakaira é o nosso guardião, é o nosso pilar.
É nele que nós nos apoiamos.
Pai Kuara, o Sol, brilha e cuida de nós.
Ele ilumina a vida do índio.
Eles são nossos pilares. Por isso, nós os respeitamos e contamos sua história.
Pai Kuaru, o Sol, ilumina a todas as pessoas.
Ilumina os homens brancos, os povos Mbyá, Guarani, Pataxó...
Ele aquece todo mundo. Todos estamos sob a sua luz.
Se nós não nos importarmos e deixarmos de lado a dança-reza tradicional viveremos como vocês.
Se acabará a dança e o canto-reza e virá o grande vento destruidor.
A terra está sendo revirada!
Então ali nós acabaremos, se continuar assim...
Chamávamos esse lugar de Mata Grande. Ele sempre foi nosso, e os brancos tomaram tudo.
Derrubaram toda a mata e, por ironia, passaram a chamá-lo de Mato Grosso do Sul.
Então...
Eles destruíram os nossos remédios da mata.
Fizeram sumir nossos animais de caça.
A nossa caça eram o tatu, a cutia, a anta, o lagarto,
Esses animais eram para nosso proveito. Eles desapareceram todos.
Tamanduá, porco do mato e muitos outros.
Os donos-protetores desses animais voltaram para junto de Tupã.
Então, hoje, os alimentos são fabricados na máquina.
Temos que usar dinheiro para comprar comida e, muitas vezes, não o temos.
É por isso que queremos a nossa terra de volta. Para termos nossos alimentos de volta.
Para não precisar das coisas dos brancos, para não depender dos alimentos deles.
Para providenciarmos nosso sustento do nosso jeito.
Nós vamos nos juntar para produzir nossa comida, nossa carne.
Nesse lugar que já foi nosso, nós vamos criar nossos animais.
Então é para isso que nós queremos a nossa terra de volta.

Palavras ditas por Valmir - Acampamento Guaiviry
Quem me ensinou que este lugar era nosso foi minha avó.
Que também se tornou minha madrinha e mãe. Ela se chamava Odúlia Mendes.
Ela lutou desde pequena.
Desde criança eu ouvia dizerem que ela era uma batalhadora pela nossa terra.
Até hoje eu ouço isso, mas a demarcação da nossa terra ainda não saiu.
Nós sofremos muito na luta pela nossa terra.
Minha avó morreu nessa luta.
Ela nos deixou, e todos os fazendeiros foram contra ela.
Não foi um, dois ou três, foram muitos fazendeiros contra ela.
Foi por causa disso que ela nos deixou.
Ela nos deixou órfãos, lutando pela nossa terra.
Por isso ela morreu.
Mas sempre a levamos em nosso pensamento, com suas palavras sábias, com seus cantos.
Nós estamos em três para levarmos em frente a sua reza, a sua palavra.
Ela deixou a sua reza para nós e isso vai permanecer.
Nós, através do canto-reza, seremos muitos mais.

Olhem só a minha casa, eu não quero mais viver desses jeito, mas ainda não nos deram a nossa terra.
Minha avó disse: "Sua vez de lutar vai chegar. Você é meu afilhado e ficou como meu filho".
"Você vai ficar no meu lugar e tem que levar adiante a nossa reza".
Nós somos os filhos dela. Estas são suas crianças, estes são seu neto e sua filha.
A verdade é que, se ela soubesse disto ...
Por causa da nossa terra, sofremos muito aqui.
E ela nos deixou para fortalecer a reza aqui e vamos dar continuidade a isso.

Mas nós é que temos o maracá. Nós, índios de verdade, somos os que ficarão!
É o nosso canto e o som de nossos maracás que seguram as armas dos brancos.
Não é de ontem que cantamos-rezamos, sempre levamos conosco o seu cato-reza.
Mas, se estes brancos não entregarem a nossa terra, eles se acabarão.
Esses homens só querem nos fazer sofrer, eles brincam com nossos sentimentos, mas, se eles continuarem suas 
ofensas nós revidaremos com rezas com a força das Sete Quedas, com o poder da Cruz do Longo Dizer!
Vamos convocar os exércitos celestiais.
Se os brancos vierem para nós de coração duro, cantaremos para eles músicas longas para eles não se enraivecerem.
Se pegarmos os costumes dos brancos, não seremos nada.
Os brancos não gostam dos nossos costumes. Eles valorizam mais sua própria cultura.
Se não valorizarmos a nossa cultura muitos podem querer a cultura do branco.
Mas nós não podemos aceitar os costumes dos brancos.
Nossa tradição é usar o maracá, é reverenciar as cruzes dos ancestrais.
Esse é o nosso costume.
Pronunciar nossos cantos festivos, rituais e sagrados, é nosso modo de ser.
Minha mãe nos deixou a sua reza, ...vou rezar um canto que ela nos ensinou.
Todo dia ao amanhecer e ao entardecer, ela nos ensinava e, sem isso, nós não somos nada.

Palavras ditas por Roberto - Aldeia Pirakua

Como estão tratando a terra?
Como vamos fazer para renovar a terra?
A alma desta terra está doente!
Para refazer a alegria da natureza, devemos dançar como antigamente para que nosso Pai faça parte da terra 
novamente.
Sempre pedimos com respeito ao nosso Deus.
Porque nós cantamos e dançamos bem?
Por causa de terra!
Esta terra está doente, por isso temos que rezar.
Nós temos que enfeitar bem as nossas vestimentas, enfeitar bem os nossos colares.
Com nossos enfeites vamos fazer dançar mais.
Com o som dos bastões de taquara vamos fazer dançar mais.
Nos conduzir pelos conhecimentos dos brancos, não podemos mais.
Nhanderu falou para nós que, se andarmos nesses saberes, essa terra não vai durar por muito tempo.
Assim, esta terra que nós sabemos ter, foi deixada por Nhanderu, nosso Deus.
Então vamos valorizar mais o nosso modo de ser.
Todos os dias temos que pedir pelo nosso jeito sagrado de ser.

(Canto)
Vem nosso irmão mais velho, vou te ensinar.
Vem , vamos acalmar nosso irmão mais melhor
Vem, vamos dançar!!
No céu da morada de Nosso Irmão Mais Velho
Levanta meus pés em direção ao céu.
Vem, meu irmão, vou te ensinar o caminho do céu.

Porque nós somos da mata, não existe outra forma.
Nós prestamos atenção em nós mesmos para aprender e é assim que nós descobrimos quem somos, por meio da palavra proferida.
Porque nós não temos a nossa palavra escrita, apenas oralmente, como diz o branco.
Só por meio da palavra dita é que nós podemos passar a nossa história uns para os outros.
É assim que nós somos.

Palavras ditas por Eupídio - Aldeia Potrero Guasu
Eu sou um índio. Minha pele é diferente, Mas o sentimento é o mesmo que os não-índios sentem.
Por tudo isso, cheguei à conclusão de que o que meus avós e tios passaram para mim era verdade.
Porque esse outro é igual a mim.
E assim podemos ter compaixão um do outro.
Nós não devemos nos sentir diferentes, temos que ser unidos como se cosêssemos da mesma panela.
Todos dividindo entre todos.
Segundo nossa tradição, tudo o que falamos tem que acontecer.
Isso quer dizer que algo vai acontecer porque eu estou colocando em palavras, e assim acontece com todas as palavras que pronunciamos.
É assim quando um xamã diz:
"Não vai para tal lugar, que isso vai te acontecer".
Era porque ele já tinha visto isso, que iria acontecer mesmo.
Se ele disser "não vá por ali, hoje você não pode ir"
Você tem que escutá-lo, porque ele já viu o que acontecerá na sua frente, coisas boas e ruins.
Os brancos tem o seu jeito de ser. Por isso que, para eles, foi deixado o papel e, para nós, foi deixado o maracá e o takua como o nosso início, pelo Nhande Jara.
Para os brancos foi deixada a Bíblia.
Eles já sabem tudo para se dirigirem com isso.
E,para nós, ele deixou o maracá.
Por meio disso nós sabemos muitas coisas.
E diziam os mais antigos: "O que sabemos é um para o outro"
Para mim só existe um Deus, e foi ele que deixou todas as coisas aqui na terra para nós.
As nossas coisas estão na mata, nós sabemos como usá-las.
Com isso nós andamos na linha certa até chegar onde ele está.

Palavras ditas por Atanásio - Aldeia Limão Verde
E então nós temos que fazer a dança para podermos plantar de novo.
Temos que plantar milho branco, temos que plantar batata doce, feijão.
Também temos que plantar banana, temos que plantar cana e da cana nós temos que fazer a bebida fermentada.
E, assim, nós temos que nos voltar para os nossos antepassados, que há tempos nós não saudamos.
Então...
Nós temos que levantar de novo o nosso  altar, o marangatu e dançar do jeito mais sagrado.
E nós temos que transmitir para os nossos filhos essas palavras perfeitas.
Nós falamos que, quando age a palavra má, as pessoas não se gostam, experimentam a raiva, ou seja, estamos contrariados uns com os outros e, quando isso acontece, o outro já fica bravo, então nós temos que esfriar essa palavra. Eu também tenho que esfriá-la. Para que essa palavra má desapareça, eu tenho que esfriá-la.
Depois que eu esfriar, vai sair a palavra boa. E não haverá mais a palavra má.
Daí em diante somente vão brotar palavras novas, palavras boas.
Então, daí em diante, Tupã virá abençoas.
Também virão outros Deuses para abençoar para que não exista mais a palavra má.
Devo fazer com que desabroche a criança.
Hei de fazer que desabrochem as mais belas crianças.
Eu te conto meu pai.
Hei de contar-te...
Hei de contar-te do dizer do takua da nossa avó no passado.
Até então meu antigo dizer
Até então o meu antigo dizer do meu maracá
Até então o antigo brilho da minha cruz que é abençoada ali no novo broto da antiga terra perfeita.
Então haverá dança e caminhada ritual até o lugar onde vai renascer a nossa terra.
Ali estaremos juntos novamente. Vamos dançar e serão arrumadas as casas.
Depois que esfriarmos, os Nhanderus vão trazer de volta os nossos animais de caça.
Então haverá de novo o Nahnderu, os nossos enfeites.
Haverá de novo o batismo da criança, o enfeite das crianças e a celebração do tembekua, a cerimônia de perfuração do lábio do menino.
Haverá a dança, o canto longo para celebrar novamente a colheita do milho verde.
Vão ser abençoados os canaviais, os mandiocais.
Vai ter tudo... Lá vai ter tudo de novo...

Hoje (out/2012), os Guarani-Kaiowá vivem em seu mundo uma crise sem precedentes.
Confinados em pequenas porções de terra e com os recursos naturais totalmente degradados, eles se veem diante de um momento de impasse.
Entre o enfrentamento pela terra e a manutenção da tradição a palavra Kaiowá busca formas de reversão dessa crise,

Fonte e vídeo: http://vimeo.com/34768557

Mbaraka – A palavra que age
from Tekoa Virtual Guarani

A partir de entrevistas com os xamãs nhanderu, e de registros dos seus cantos, danças e cerimônias, o filme aborda o universo dos cantos xamânicos por meio dos aspectos performáticos da palavra, da sonoridade, do gesto, da dimensão onírica e da vontade mobilizada pelo canto. Se a palavra pode ser história, mito e narrativa, entre os Guarani-Kaiowá ela também é poesia e profecia: um canto de esperança em um futuro melhor.

Produção: Anthares Multimeios
Realização: Edgar Teodoro da Cunha, Gianni Puzzo e Spensy Pimentel.


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