Ops! Que barulho estranho é este?
- Oh, não! Saí da estrada...
- Eu adormeci ?!?!
Não dá tempo para perceber o que foi que aconteceu...
- Aaaaiii... o carro bateu na frente..sacooo! Bati o carro...
- Oh,não!! Oh,não! Estou virando...
Um forte impacto no chão... uma lacuna no tempo e no espaço... e eis que me percebo dentro de uma “valeta” e quase de cabeça para baixo... dentro de um carro que está com as rodas para cima.
Eu havia acabado de capotar com meu carro.
Vem a mente as cenas de filmes em que isso acontece e as pessoas não conseguem soltar o cinto de segurança e o carro pega fogo..
- Não... isso não! O carro pode pegar fogo. Cadê o cinto? (Estou apavorada).
Giro em torno de mim mesma e o localizo. Por sorte foi fácil soltá-lo. Observo que os limpadores de para-brisa estão ligados. Preciso desligar o motor, mas uma dúvida me assola: o que é melhor? Desligar ou não? E se ao desligar soltar uma faísca... O tanque está cheio de gasolina. Desligo! Ufa! Não deu nada ainda...
Ops! Estou lúcida... não sei se sinto dores... mas consigo pensar... tenho de sair daqui. A minha esquerda (ou algo assim) tem uma janela que está livre, mas está fechada...
- Cadê o botão para abrir a janela?
Procuro sem me dar conta que o carro está de cabeça para baixo e eu já não mais. Mexo na porta e... por que cargas d’água penso que o único jeito de abrir a porta é através dos botões que estão na porta do motorista, eu não sei... mas...
Escuto pessoas me chamando:
- Moça, está tudo bem? Tu estás bem?
Tenho que abrir essa janela.
- Cadê a minha porta... não consigo enxergar direito... está tudo amassado.
Mexo nas portas do jeito que consigo, olho para os lados e escuto as vozes me chamando novamente, agora bem nítidas... olho para a janela livre e... eis que está aberta.
- Eu abri isso?
Não sei, só sei que posso sair agora,.. mas não sem antes pegar a minha bolsa que vi virada aos meus pés. Afinal... poderei precisar de meus documentos e... se pegar fogo... e se alguém pegar o que está no carro...
Percebo algumas coisas no chão, que caíram da bolsa, outras que caíram do painel, como o telefone celular e as jogo dentro da bolsa...
Neste instante sinto uma dor forte no meu dedo polegar da mão direita e o percebo sangrando.
Ao me abaixar e erguer a cabeça percebi que algo estava doendo muito... era minha cabeça. Ao mesmo tempo percebi que havia um calor excessivo na testa. Eu havia batido a cabeça e sangrava muito.
Alcancei a minha bolsa para fora da janela e uma senhora a segurou, enquanto isso uns rapazes me puxavam... eu não tinha onde apoiar meus pés para fazer força para sair... deixei que me puxassem.
Alguém fala que precisam de algo para estancar o sangue. Descobrem lenços de papel em minha bolsa... vários lenços se vão... colorados... lenços colorados de sangue.
Deixam-me de pé... Tremo mais que vara verde. Estou assustada. Falam comigo... não sei o que sinto... se dor, se medo, se... é pavor o que estou sentindo.
A minha cabeça dói demais...
Escuto uma mulher que diz que não me preocupasse, pois os bombeiros já deveriam estar chegando (como junta gente nessas horas!).
- Moça, tem mais alguém no carro? Essa foi a segunda frase que mais ouvi (a primeira foi como eu estava me sentindo). Que alívio sentia eu em responder:
- Não, não há mais ninguém no carro. Eu estava sozinha.
-Ah! Sim... a perna também dói... e penso: estou em estado de choque que nem sei se sinto dores... e se tiver “batido feio na perna”? Abaixo-me e não percebo nada, mas dói. Essa dor, hoje, é apenas um hematoma.
Percebo-me tremendo mais ainda... e dou-me conta que não havia olhado as pessoas... ergo meus olhos, da direita para a esquerda... olho as pessoas com um olhar de agradecimento... percebo-me tentando esboçar um sorriso... rostos jovens a minha frente, com exceção de dois que estavam mais ativos e eram mais velhos. Aliás, um deles era uma figura bem peculiar... Depois eu soube que o apelido dele era/é “Cabelo”.
Abaixo-me, pois minhas pernas não querem me sustentar... Apóiam-me e me levam até um local que tinha grama para que eu sente. Sento-me no chão.
Mil perguntas: De onde tu és? O que aconteceu? Como tu estás? Tens parentes aqui? Tens algum telefone? Queres ligar para alguém? Tem mais coisas no carro?
Eu não sabia o que pensar...
E agora?? Eu estava indo para uma reunião na cidade de Bento Gonçalves... faltavam uns 30min para o encontro marcado. Como avisar? Não tenho o número do telefone da guria guardado na minha agenda... Alguém pega o meu celular e diz que não tem sinal.
- Coisas no carro? Sim sim... tem, sim.
Uma máquina fotográfica que eu vi no chão, mas não peguei na saída. O senhor, que mais parecia um anjo ... não pela figura, mas pela prestatividade, o Cabelo, foi no carro e buscou a máquina e algo mais. Nova pergunta: lembra de mais alguma coisa? – Sim.. do meu notebook.
Aí doeu... o meu note! Puutz! Terá sobrevivido a tudo isso? (já digo que sim, pois estou aqui, neste final de domingo, escrevendo essa história).
Diz o "anjo":
-Encontrei um controle..
E eu respondo:
- Ah, sim! Tinha três...
E ele não sossegou, enquanto não encontrasse os três controles.
- Moça, tem umas moedas no chão (no teto, melhor dizendo)... mas está cheio de cacos de vidro. Queres que peguemos... a gente pega se tu quiseres?
Obviamente que não! Mas eles queriam ajudar de todas as formas possíveis.
Aí lembro que carregava, teoricamente bem acondicionadas, três garrafas de vinho no porta-malas. Lá foram eles (os dois senhores mais velhos) a buscar... e a procurar tudo que encontravam dentro do carro... eles conseguiam entrar pela janela...
Enquanto isso uma moça para ao meu lado, pede para que eu não abaixe a cabeça e faça pressão para tentar estancar o sangue da testa. O da mão já diminuía. Ela consegue sinal no celular e liga para os paramédicos relatando a situação e pede que eu aguarde, pois a ambulância já chegaria.
Nesse meio tempo, chega uma viatura da polícia e eles também questionam, mas pedem para que eu não me mexa, e não me preocupe com nada, pois o socorro está vindo.
Lembro-me da máquina fotográfica e, como não pude ver bem meu carro, peço ao policial que prontamente aceitou fazer umas fotos do carro.
Pego meu celular, pois precisava avisar alguém.
Quem? Meus pais,onde estava também minha filha?Não! Eles não. Quem? Percebo que tem um SMS no meu celular.
Um amigo (@cidcancer) havia escrito desejando-me boa viagem... respondo em 4 mensagens, na esperança de que ele pudesse me ajudar. ... lembro que meu polegar doía,mas eu precisava falar, precisava escrever.
- Acabei de capotar o carro.
- Pede para o @ochato ligar p/Bento... que não vou mais.
- Vou ao hospital, pois cortei a cabeça e a mão.
-Liga p/meus pais.
Às 15h30 mandei a ultima mensagem. Minutos que pareciam uma eternidade se passaram e nenhuma resposta.
Às 15h36 tento ligar para minha irmã que mora na cidade vizinha. Nada.
- E agora? Preciso fazer contato com alguém...
A minha volta escuto o pessoal falando que tombei o carro. E escuto as interjeições de espanto quando chegam para ver o carro.
Concentro-me em avisar alguém.
Percebo que tenho acesso ao Twitter e, às 15h25min tuito:
"Tombei o carro”"
Consigo contato com minha irmã que me tranqüiliza e diz que irá ao local do acidente.
Lembro-me de ligar para o corretor do seguro que me faz mil perguntas e eu não consigo responder quase nenhuma...
Parênteses: acho que nunca vi tanta gente perguntando meu nome e minha idade.... acho que testavam meus reflexos... acho...Foi a 3ª pergunta feita com mais frequência. Fecha parênteses.
Um dos senhores, o Dalla Corte, pega o telefone e resolve “tudo” com o corretor de seguro. Deu a ele seu endereço, o telefone, etc...
Nunca vi tanta solidariedade. Todos queriam ajudar de alguma forma.
Chega a ambulância. Não, as ambulâncias, pois chegaram duas.
Colar especial, deita, fica quieta que a gente faz tudo, colocam-me na maca, carregam-me, verificam sinais disso, daquilo, pressão.. etc...
Eu preocupada, pois chegaria o guincho, etc.. O Sr. Dalla Corte e o “Cabelo” (Sr. Santa Rosa) me tranqüilizam dizendo para eu não me preocupar, pois eles não arredarão o pé de perto do meu carro, enquanto não levarem ele.
O tweet fez com que o Afonso (@ochato) se desse conta do que tinha acontecido e ele foi logo ligando para minha irmã, que falou já estar sabendo. Mas foi bom, pois ele poderia avisar a pessoa que eu não compareceria mais à reunião marcada.
Vamos embora para o hospital...
- Não! Minha bolsa!
- Ah, sim! Precisarás de teus documentos.
Ambulância, hospital... sem ninguém acompanhando na entrada... não é algo muito bom, não. Por sorte, logo depois chegou minha irmã que ficou comigo todo o tempo. Ufa! Bendita maninha Ivane!
O médico (outra história para contar) só olhou o corte na cabeça, perguntou se doía (minha cabeça doía demais), fechou o pequeno corte sem me dizer quantos pontos havia feito (somente um foi o suficiente. A batida foi forte, mas o corte pequeno, o suficiente para sangrar e não deixar hematoma). Após tomografia (quase implorada) fui liberada para vir para casa (de meus pais), e deveria ficar 12h em observação.
Enquanto aguardava a ambulância, perguntaram-me como tudo aconteceu e a única coisa que soube dizer é que eu devo ter adormecido.
Um senhor, que vinha atrás de mim, num carro com mais pessoas, diz que eu estava andando devagar, parecia que cada vez mais devagar, até que fui puxando o carro para à direita, sendo que ele achou e eu iria parar o carro, mas de repente tudo aconteceu... Provavelmente, ao me sentir fora da estrada, eu tenha pisado no acelerador, por isso o choque com a parte dianteira do carro tenha sido tão forte a ponto de fazer o carro capotar.
Isso tudo aconteceu há três dias. Foram dias nada agradáveis, a começar pelas horas a esperar, para ter certeza que nada de estranho fosse acontecer, pelas dores de cabeça que insistiam em se fazer presentes, pelos momentos que não saiam da cabeça... O que aconteceu? Como aconteceu? Por que aconteceu? Poderia ter sido evitado? E o que virá? Isso era atroz!
Tudo isso aconteceu no dia 21 de abril de 2011, às 15h.
Havia chegado na casa de meus pais, na Dolorata, distrito de Santa Tereza, em companhia de minha filha, afilhada, nossos dogs, por volta das 13h. Almocei muito bem, pois chegar na casa de meus pais... é sempre isso: come-se bem. Após o almoço tomei um banho quente, arrumei-me e parti para uma reunião que tinha na cidade de Bento Gonçalves, há 40 quilômetros de onde eu estava.
Menos de um quilômetro depois senti um sono estranho. Um peso na cabeça... uma
leseira rara, diria eu. Pois não era sono sono... era algo mais. Pensei que uma cama naquela hora seria “dos deuses”. Lembrei também que muita gente vive falando que tem insônia. Pensei que daria a eles a receita infalível para sentir sono: comer bem e, em seguida, tomar um banho quente.
Esqueci disso tudo, pois a estrada de chão por onde eu trafegava estava necessitando bastante atenção. Após viajar 10 Km cheguei na cidade de Monte Belo do Sul e tuitei duas fotos. A partir daí a estrada seria toda asfaltada.
O sono se fez presente novamente. Abro a janela do motorista (atenção um), dou volume no som... e continuo. Num determinado ponto, a minha frente, tem um carro que anda bem lentamente. Ao passar por uma lombada ele diminui consideravelmente a velocidade do carro, fazendo com que eu reduza o meu para a segunda marcha. Observo que o carro atrás de mim não havia feito tamanha redução como o da frente. Logo em seguida a estrada teria um leve aclive. O carro a minha frente anda muito lentamente, até demais para a situação, mantenho a marcha em terceira e penso que não conseguirei ultrapassá-lo, pois não era permitido... “cristo, como anda devagaaaaar”.
Isso é a última coisa que lembro, antes de perceber que estava saindo da estrada.
Eu não senti sono, não senti tontura, ... simplesmente senti nada. Apaguei!
Quando percebi que estava fora da estrada... não vi nada a minha frente... aliás... só vi algo quando o carro parou. Se continuei de olhos fechados eu não sei. Sei que nada vi a não ser quando o carro parou.
O que eu posso dizer agora?
O SONO NOS VENCE!
Ele pode vir de forma tão silenciosa que nem conseguimos perceber. Eu estava bem. Eu havia dormido relativamente bem na noite anterior. Eu havia viajado 150 Km muito tranquilamente e sem nenhum resquício de sono.
Mas o sono me venceu. O sono me derrubou...não somente a mim,mas a meu carro também.
Três coisas primordiais:
1) Dormir o suficiente, dia após dia, e não somente vez por outra, pode ser o melhor que se pode fazer;
2) Se sentir sono, tem de parar! Parar em algum lugar, caminhar, exercitar-se, conversar alto, ... se tiver acesso a água, molhar os pulsos, o rosto... Não, não basta bater no rosto, na cabeça!
3) Use sempre o cinto de segurança, pois não fosse isso, eu não estaria contando essa história.
Eu farei isso? O terceiro é regra sine qua non para entrar no meu carro. O primeiro será sempre o mais difícil para mim. Quanto ao segundo... assim que conseguir o carro de volta... ou um novo... tenho medo que sentirei, pois parece-me, agora, que me faltará coragem, pois não sei o que poderá acontecer. Terei de observar bem mais meus sinais.
Por sorte não virei uma estatística triste do feriadão de Páscoa.
Como disse o Ser Santarosa:
- Tu tens santo?
- Heim?! (achei que perguntava se eu tinha alguma imagem de santo no carro).
- Se tu tens um santo agradece a ele, por que teres saído viva é muita sorte e, teres saído quase ilesa é um milagre.
Mais algumas fotos: