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domingo, 12 de agosto de 2012

Misto-quente ou O fim do mundo - Luís Fernando Veríssimo

Ele pediu um misto-quente. Ela se impacientou.

- Você vai comer só isso?

- Vou.

O sanduíche dela era enorme. A alface saía pelos lados. Um molho amarelo pingava no prato. Pontas de tomate, bacon e cebola também apareciam nas bordas. O pão era com sementes de gergelim.

O misto-quente dele era só presunto e queijo entre duas torradas.

- O que você vai beber?

- Água.

- Toma uma coca. Eu estou pagando.

- Água.

- Olha, se você vai ficar assim, é melhor nem ter esta conversa.

- Assim como?

- Assim, emburrado. Se fazendo de coitadinho.

- Só porque eu pedi um misto-quente?

- Escuta. Nós não estamos brigando. Entendeu? Nós vamos só dar um tempo. Aliás, eu vou tentar aquela bolsa no Canadá. É possível até que eu viaje.

- Tá certo.

- Pelo menos põe ketchup nesse misto-quente!

- Eu gosto assim. Simples. Sem adornos. Você sabe que existe uma ordem religiosa que se alimenta exclusivamente de mistos-quentes? Acho que é no Tibete. Isto que você olha com tanto desdém pode ser um dos caminhos para Deus.

- Escuta...

- O misto-quente é uma lição de vida. Quem precisa de mais do que isto, presunto, queijo e duas torradas? O misto-quente é a vida reduzida ao essencial. Todo o resto é supérfluo. Vou passar a comer só misto-quente com água. Quando você voltar do Canadá, eu talvez esteja levitando. Dizem que os monges do Tibete não andam mais no chão. Cada um é o seu próprio helicóptero. Tudo devido ao misto-quente.

- Eu vou pegar uma cerveja. Você quer que eu lhe traga alguma coisa?

- Água.

- Com gás?

- Sem gás. Bolhinha já é afetação.

- Você quer ou não quer ter esta conversa?

- O que há para conversar? Nós vamos dar um tempo, você vai para o Canadá, eu talvez me dedique a um tratado sobre o misto-quente. Origem, antecedentes, morfologia, simbolismo... Não há mais nada para conversar.

- Você, também, faz um drama. Não é o fim do mundo.

- Como, não é o fim do mundo? É o fim do mundo, sim. Você acaba de me dar a notícia de que um meteoro vai se chocar com a Terra.

- Que exagero. Nós vamos só dar um tempo...

- Que tempo?! Você não entendeu? É o fim do mundo. Maremoto. Nova York arrasada. O Japão sob as águas.

- Já vi que não podemos conversar. Eu queria acabar tudo de uma maneira civilizada, mas...

- Não existe maneira civilizada de um amor acabar. É como pedir para você comer esse sanduíche de uma maneira civilizada. Não dá, vai espirrar o molho, o bacon vai cair no seu colo... Vai ser um cataclismo. Amor que não acaba em cataclismo, não era amor.

- Tá bom, tá bom. Coma o seu misto-quente, vá.

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