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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Entrevista com o jornalista Tão Gomes - ( @taogomes) - Parte 1

“O que aconteceu é que Tancredo temia que, se não fosse empossado, com direito à faixa e tudo, os militares poderiam dar um golpe dentro do golpe.” (T.G.P.)

Por Elenilson Nascimento

Tão Gomes Pinto é um raro exemplo de jornalista brasileiro que consegue conversar com o mundo para além dos muros da academia e das redações de jornais cheias de egos inflados. Jornalista, fez parte das equipes que criaram o "Jornal da Tarde", em SP, e das revistas "Veja" e "Isto É". Trabalhou ainda na "Manchete" e "Imprensa", foi colunista da "Folha de S. Paulo", entre outras atividades. No outro lado do balcão, foi Secretário de Imprensa do governador Franco Montoro, do Ministro Roberto Gusmão, do prefeito de Campinas, Jacó Bittar e mais recentemente trabalhou com o senador Delcídio Amaral.

Seja nos seus textos, seja em livros, seja na sua expressiva coluna semanal na Rádio Metrópole FM (Salvador-BA), ele sabe se comunicar com o grande público sem baratear suas ideias. Mais rara ainda é a sua disposição para criticar certezas e lugares-comuns bem estabelecidos entre seus pares.

Ele já circulou entre presidentes, ministros, altos executivos. Viaja constantemente pelo país e para o exterior e não sai das caóticas pontes aéreas. Visto assim, à distância, o cotidiano do Tão Gomes, amigo íntimo do Arnold, parece ser puro glamour. Mas é feito de suor, estudo e disciplina, como ele mesmo conta nessa entrevista exclusiva (*que eu quase pensei que ele tinha desistido).

Alguns amigos dizem que o Tão Gomes é um dinossauro do jornalismo. Ele rebate à altura: "Dinossauro é marca registrada do Joel Silveira. Eu, no máximo, sou um elefante, um bicho que se lembra de suas vidas passadas". Para ele, cada trabalho é uma "experiência renovadora". E elas são muitas, já que começaram no ano de 1962. Tão é um crítico feroz da cultura brasileira que conseguiu definir ironicamente o espírito dos tempos descrevendo um cenário comum na classe média intelectualizada, conversa com se estivesse num jantar inteligente, no qual os comensais da morte, entre uma e outra taça de vinho chileno, se cumprimentassem mutuamente por sua “consciência social”. Diz Tão Gomes: “Se você admitir que tudo o que disse ali, naquela análise aprofundada de um fato político, não passa de um besteirol em linguagem erudita, eu até respeito você. Agora se você leva a sério o que escreveu, então a besta é você”. Em suma, é uma honra imensa aqui no LITERATURA CLANDESTINA receber uma das melhores cabeças desse país, então acompanhe essa entrevista com o Tão Gomes Pinto – dividida em partes – e comprove que o porque o cara é muito bom! Respondi? Mais ou menos, eu acho...

Elenilson – O seu livro “O Elefante é um Animal Político” traz crônicas sobre esse Brasil vendido nos “discursos para analfabetos do Lula” como o “BraZil contemporâneo do futuro”. Futuro esse que desde quando eu era espermatozóide eu ouço falar. Você já foi assessor parlamentar, conviveu e se divertiu com todas as picaretagens feitas por esses “manobristas de bagaça”. O que o “Elefante” do Pinto traz de inédito, já que muitos tentam ser divertidos, mas quando o assunto é política, a coisa parece que degringola?

Tão Gomes Pinto – O assuntou degringola porque, no Brasil, política não pode ser levada a sério. Então, já que não é sério, deixa rolar, degringolar, virar do avesso, contar história de frente para trás, vale falar e fazer qualquer coisa, quando se trata de política. Você pode até tratar o assunto em profundidade, mergulhar em análises e prospecções, escrever artigos de página inteira e publicá-los no Estadão, no Globo, no Correio Braziliense ou num veículo supostamente independente, entre aspas, como, digamos, a Caros Amigos... Se você admitir que tudo o que disse ali, naquela análise aprofundada de um fato político, não passa de um besteirol em linguagem erudita, eu até respeito você. Agora se você leva a sério o que escreveu, então a besta é você. Respondi? Mais ou menos, eu acho...

Elenilson – Brizola, FHC, Lula, Maluf, a ascensão e queda de Collor (*eu perdi o meu estágio num banco por causa desse f.d.p., ups, escapoliu!), o recém morto Itamar Franco, etc. Você estava no centro de tudo isso. Como avaliar agora, passado esse tempo todo, o que esses “camaradas” queriam realmente?

Tão Gomes Pinto – São pessoas como a gente (eu, você, etc...) que tiveram a sorte, ou o azar, de entrar na política e, estavam destinados, por instinto (ou pelo destino simplesmente), a ocuparem postos de responsabilidade. Aí, cada um agiu conforme a sua educação, consciência, influência de amigos, etc... e foram levando a vida cada um com a sua vocação. Ou tendência (o DNA deve funcionar no caso). E já que o destino reservou para eles um lugar de proeminência – e eles chegaram lá – imaginaram N maneiras de se perpetuar no cargo. Talvez, da turma que você menciona, só escape o Itamar, mais desapegado do exercício do mando. Tanto que chegou a presidência sem maiores esforços. Um amigo dele, o falecido deputado Raul Belém, falava sempre da sorte do Itamar... Ele dizia que às vezes era preciso ficar batendo na janela do quarto onde o Itamar dormia e dizer: "Acorda Itamar... acorda... vem ver tudo o que Deus decidiu fazer de bom pra você hoje... vem ver rapaz...". Às vezes o Itamar acordava. Em outras, virava pro lado e continuava dormindo. Respondi? Mais ou menos, eu acho...

Elenilson – Os vários planos econômicos que esse país já teve foram necessários mesmo? O que de errado aconteceu no meio do caminho para que a coisa fosse levada dessa forma?

Tão Gomes Pinto – Essa história de plano econômico foi uma espécie de febre, onde os economistas praticamente tomaram o poder, no caso brasileiro. Essa subordinação abalou a saúde do país por várias décadas. Agora passou... mas já há no horizonte sinais de que pode voltar. É como a maleita ... que sempre um dia volta. Eu assisti (com estes meus olhos) duas cenas, em dois momentos diferentes (portanto, dois planos econômicos diversos) o então ex-ministro Delfim Netto, que já foi chamado de Czar (ou Tzar) da nossa economia, pegar uma nota e ficar olhando para ela com a perplexidade de um homem primitivo. Foi durante a tentativa de um plano que pretendia acabar com a inflação por decreto. Acho que era o Plano Collor. Depois de pegar a nota, revirá-la, tornar a examinar, o Czar me disse uma frase inesquecível: "Eu acho que a inflação é um fenômeno que acontece dentro da moeda...". Ou seja, escapava ao entendimento de nós, simples seres humanos. Outro momento, que eu diria inolvidável, foi o dia em que eu vi o presidente Sarney pegar no braço do Edilson Varela, então um dos diretores do Correio Braziliense e comentar: "Pois é, Edilson, inflação nunca mais...""Não existe almoço grátis. Sempre alguém está pagando a conta". Por isso não há plano que funcione. Os planos quinquenais da antiga URSS, o consenso de Washington, etc... todos se esquecem que alguém está pagando a conta. Em geral, são os mais pobres que pagam, sejam pessoas ou países. Não me recordo qual o plano econômico que vigorava na época. Mas voltando ao Delfim Netto, uma frase dele, que serve para qualquer regime político ou sistema econômico é a seguinte:

Elenilson – No meu romance “Clandestinos” que, depois de dez anos na gaveta, enfim, saiu em 2010 por uma editora, uma personagem na estória questiona a morte de Tancredo. Neste ano de 2011, no mês da morte de Tancredo Neves, a Rede Globo e todas as outras mostraram reportagens especiais sobre o assunto. Eu era muito pequeno, mas ainda lembro da comoção pública que foi a morte do presidente que não conseguiu receber a faixa. Até hoje não acredito naquela história para livros escolares. Conversando com um professor de História ouvi a história de assassinato, então eles inventaram esse conto de “diverticulite”, que agora vem sendo questionado e a Globo tenta manter as aparências de seu passado militar. O que sei é que no dia de sua posse, na missa celebrativa (*Catedral de Brasília), acabou a luz e ouviu-se um tiro (ou algo parecido). Dias depois foi divulgado que Tancredo teve uma crise e estava na UTI, no caso ele já estaria morto, mas os militares que por sinal apoiavam Sarney, encobriram a notícia e deixaram para divulgar sua morte no dia 22/04, coincidência com Tiradentes? Não fizeram isso pensando na comoção nacional? Diz-se ainda que a repórter Gloria Maria, presenciou a cena, e teve que ir fazer umas “reportagens” bem longe dali, por alguns anos na Finlândia. Tudo isso pode ter acontecido ou devemos, como cidadãos de bem (eu não viu!), deixar tudo enterrado? Você não acha que Tancredo poderia ter sido a melhor coisa que nesse país em matéria de dignidade política e, sabendo disso, os manda-chuvas providenciaram tirar o cara do mapa? Comenta.

Tão Gomes Pinto – Delírio puro... É incrível como essas histórias fantásticas, absurdas, sem pé nem cabeça, prosperam... Eu estive, não no centro, mas muito perto desses acontecimentos como assessor do Roberto Gusmão, na época um dos principais articuladores da candidatura Tancredo Neves, via Colégio Eleitoral. Teria dados minuciosos para desmentir essa versão, que reputo alucinada, sobre a morte de Tancredo. O que aconteceu é que Tancredo temia que, se não fosse empossado, com direito à faixa e tudo, os militares poderiam dar um golpe dentro do golpe. Ulysses Guimarães era um nome que os militares não admitiriam de jeito nenhum assumisse a presidência. Tancredo, Montoro, o pessoal bem informado sabiam disso. Ulysses eleito... Um golpe militar dentro do governo militar... Tancredo trabalhou sua aproximação com os militares desde o momento em que percebeu que ele seria o único nome da oposição que seria aceito pelo chamado “sistema”. Ele e alguns militares de boa cabeça sabiam que o chamado “sistema” se exaurira. Os milicos (os de boa cabeça, perceberam isso muito antes da campanha das Diretas-Já. Tancredo também percebeu. Tanto que 1983, ele era governador de Minas, mas já tinha um time de políticos trabalhando por uma candidatura de civil. E que, dentro dos nomes que seriam palatáveis para o regime militar, estava o de Tancredo, embora ele fosse do MDB, partido de oposição. Então, governador de Minas Gerais, Tancredo fazia contatos com militares e esses contatos ele não delegava a ninguém. Eram conversas diretas (e secretas, naturalmente) com os representantes do “sistema”. Os políticos que se entusiasmaram com a possibilidade de um civil da oposição chegar ao poder trabalhavam também muito discretamente. Entre eles estava o meu chefe na época, Roberto Gusmão, o Fernando Lyra, em Pernambuco, o próprio governador Montoro, o grande animador da campanha Diretas-Já. Os cabeças dessa campanha, que visava a aprovação da emenda Dante de Oliveira, sabiam que a aprovação a emenda (ela previa que as próximas eleições presidências fossem diretas) não passaria no Congresso, como de fato não passou. A mobilização das Diretas Já, patrocinada pelo Montoro, serviria no entanto trazer para a candidatura de Tancredo via Colégio Eleitoral, o chamado apoio popular. Esse apoio foi considerado necessário para legitimar, digamos assim, a candidatura de Tancredo pela via indireta, o que se conseguiu brilhantemente com a campanha Diretas Já empolgando multidões. No entanto, durante essa delicada costura política alguém teria que botar o guizo no pescoço do Ulysses Guimarães. Explicar para ele: 1 - A emenda Dante de Oliveira não passa no Congresso e nem pode passar. Se passar, os militares fecham o Congresso no dia seguinte. Então, caro Ulysses, não há hipótese de eleições diretas. 2 - Nas eleições indiretas, pelo Colégio Eleitoral, se você for candidato e ganhar, repete-se a cena. O Congresso é fechado e retomam-se as cassações de mandatos e tudo o mais que os militares sabiam fazer. Quem explicou isso tim-tim-por-tim-tim ao Ulysses, foi o Franco Montoro, na época em que eu era Secretário de Imprensa do governador. Mas essas conversas nunca transpiraram, nem poderiam, caso contrário o esquema, bordado com linha finíssima, se desmancharia por completo. Chegamos ao dia da eleição do Tancredo, já consagrado, a priori, como salvador da pátria pelo povão... Inclusive o Maluf chegou ao Colégio Eleitoral sabendo que iria perder. Mas não podia admitir isso publicamente porque estaria, de qualquer forma, desmanchando a costura toda. E o Maluf sabia mais. O Maluf teve acesso a ficha médica do Tancredo onde já havia o diagnóstico de diverticulite e a recomendação para operar Tancredo o quanto antes. Informação essa que ele não usou na campanha das indiretas porque o Paulo Maluf sabia que seria acusado de desestabilizador da redemocratização em curso. Acabaria sendo ele o grande culpado por uma eventual desistência de Tancredo ou sua improvável (naquela altura) derrota no Colégio Eleitoral. Mais ainda, Maluf teve acesso aos boletins médicos de Tancredo feitos pelos médicos do Senado, já eleito pelo Colégio Eleitoral. Tancredo, em visita ao Senado, teve uma crise, com fortes dores no abdômen. Enquanto dois senadores simulavam uma acalorada discussão, ameaçando chegar às vias de fato, para atrair a atenção de jornalistas e fotógrafos, Tancredo entrou sem ser notado no departamento médico do Senado. Saiu de lá com o diagnóstico: operação necessária e urgente. Mas ele embarcava para tradicional viagem dos pré-presidentes brasileiros à Europa no dia seguinte. Se observarmos as fotos dessa viagem, constataremos que, na maioria delas, Tancredo aparece com as mãos protegendo um dos lados da região dolorida. Na véspera da posse, eu estava com o Roberto Gusmão e notei-o absorto e distante. Então ele me disse: "Dr. Tancredo está com apendicite. Estão levando ele para o Hospital de Base". Ali começaria a tragédia da posse, com deputados que se diziam médicos, invadindo a UTI, gente entrando e saindo, e deixando no ar micróbios e bactérias da infecção generalizada da qual Tancredo não sobreviveria. Essa é a história real. O resto, como você diz, é romance. Mesmo com Tancredo internado, foi mantida a recepção no Itamaraty ao qual eu compareci. E vi com os meus próprios olhos o neto de Tancredo, Aércio, tocando no piano as músicas “Como pode o peixe vivo, viver fora da água-fria...” e “Ó Minas Gerais, quem te conhece...” Estava ali presente todo o “staff” que trabalhara para a eleição de Tancredo e a felicidade e alegria eram gerais... Ou esse pessoal disfarçava a gravidade da cirurgia de Tancredo, ou não sabiam dela. A cirurgia em si, era simples. Impossível foi controlar a infecção generalizada e o sofrimento de Tancredo, que acabariam, por pura coincidência, no dia 21 de abril.

Retirado do blog: http://literaturaclandestina.blogspot.com/2011/07/entrevista-com-o-jornalista-tao-gomes.html

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