Marcos Rolim
A Comissão da Verdade é a chance histórica do Brasil vencer o silêncio e produzir a vergonha.Há quem não goste da ideia. Os que são contra a Comissão insistem na mentira, porque ela é sua única defesa. Começam a mentir quando falam que a Anistia “foi fruto de acordo” que significou perdão para “os dois lados”. A Lei, entretanto, foi imposta pela ditadura a um Congresso manietado, recebendo 206 votos favoráveis e 201 votos contrários. Um belo “acordo”, não? A oposição votou contra o projeto, porque não se tratava de anistia, mas de auto-anistia. A ditadura queria impedir que seus crimes fossem conhecidos e julgados. O resto é história para boi dormir. Quem tiver dúvida, basta ler o § 2º do art. 1º da Lei 6.683/79 que diz: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”. A extrema-direita afirma e os ingênuos repetem que a anistia “pacificou” o País. A lei da anistia é de 1979. Alguns anos depois, o Brasil viveu um surto de terrorismo praticado por militares que se opunham à “abertura”. Dois deles tentaram explodir o Rio Centro na noite de 30 de abril de 1981, onde milhares de pessoas assistiam a show alusivo ao 1º de maio. A bomba, entretanto, explodiu no colo de um sargento. Seu companheiro de “acidente de trabalho”, o então capitão Wilson Dias Machado é, hoje, coronel do Exército e atua como “educador” no Colégio Militar de Brasília. Antes, em 27 de agosto de 1980, a senhora Lyda Monteiro, secretária da OAB, foi despedaçada ao abrir uma carta-bomba endereçada ao presidente da Ordem, Eduardo Seabra Fagundes. Os responsáveis por estes crimes, entre tantos outros praticados antes e após a anistia, nunca foram responsabilizados, sequer processados.
A Comissão da Verdade foi proposta pela 3º edição do Plano Nacional de Direitos Humanos, de 2009. Virou projeto de lei aprovado pela Câmara e pelo Senado após incorporar várias emendas da oposição. Para os mentirosos, este processo é “viciado”. A presidenta Dilma indicou os membros da Comissão, na forma da lei, escolhendo pessoas de notória capacitação e dignidade. O desafio não é o de punir, mas o de revelar. Não importa, o processo segue sendo “viciado” para as viúvas da ditadura. Compreende-se. O difícil para os amantes do silêncio é a perspectiva do horror vir à tona, como aquele prato de que nos falou Neruda em Almeria “com restos de ferro, com cinzas, com lágrimas, um prato submerso, com soluços e paredes caídas”, todos os dias, ao café da manhã. Quando isto ocorrer, o Brasil terá atravessado o espelho da dor infinita dos que não puderam enterrar seus mortos e que, ainda hoje, são obrigados ao cinismo dos que negam a existência da tortura. A Comissão não deve se furtar ao exame de quaisquer das graves violações aos direitos humanos praticadas no período, independentemente de sua origem ou motivação ideológica. Mas, por óbvio, seu foco é o terror de Estado, porque é este que não se sabe. Ao final deste processo, o Brasil terá mais consciência sobre si mesmo e haverá na opinião pública mais apreço pela democracia e menos espaço para os covardes.
Artigo publicado em http://bit.ly/L7xeTZ, em 19/05/2012.
Monumento: tortura nunca mais - Recife
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