Texto de Sérgio
Roberto Kieling Franco
Um
grupo de alunos de pós-graduação, sentou-se à mesa de um bar nas imediações da
Universidade. Eram alunos de diversas áreas. Promoveram essa “reunião
interdisciplinar” um tanto por acaso, para tomar uns chopes a título de “Happy
Hour”.
Depois
de muita conversa jogada fora, de falar de futebol, dos professores, do garçom,
dos colegas, de política... Quando tanto a “hour” como o “happy” já iam longe,
o assunto começou a ficar mais sério. Os destinos da humanidade começaram a ser
discutidos em volta daquela mesa de plástico. (Provavelmente a humanidade estaria
muito melhor e o planeta não estaria ameaçado se fossem aplicadas as idéias e conclusões
das rodas de bar. O problema é que elas nunca são registradas, e se perdem
quando volta a sobriedade. Quando alguém, por algum motivo secreto – até para
si mesmo – faz algum registro, o guardanapo é aproveitado para secar a cerveja que
derramou ou para outros fins higiênicos.)
A
discussão naquela noite girava em torno dos benefícios e malefícios dos avanços
tecnológicos. As posições balançavam de um extremo ao outro, assinalando o
equilíbrio próprio das posições sábias.
Por
um lado eram elogiados o conforto, o combate às doenças, o dilatamento da
longevidade. Por outro, eram enumerados o aumento da poluição, a destruição dos
recursos naturais, bem como a desorganização de culturas milenares. A
diminuição do tempo ocioso pelo trabalho a distância era contrabalançado com o
aumento das oportunidades de lazer...
A
discussão parecia encaminhar-se para um tênue consenso favorável aos avanços
tecnológicos, até que um dos membros de tão honrosa trupe interrompesse com uma
afirmação revestida de uma convicção tão sólida e estarrecedora, que fez todos
se calarem.
—
Definitivamente o avanço tecnológico adia a realização dos desejos das pessoas!
De
todos os argumentos contrários ao avanço tecnológico colhidos durante a conversa,
isso nunca havia sido levantado. Tal afirmação ia contra um consenso tácito.
Por isso mesmo pairou no ar um sentimento de perplexidade. Houve alguns balbucios,
mas ninguém conseguiu dizer algo inteligível. E o provocador disso tudo, então,
continuou com a calma de um papa que cita um dogma.
— O
avanço tecnológico atrasa a realização dos desejos humanos, e uma prova tenho
aqui comigo, no meu pulso direito.
E
passando os olhos pelos olhares atentos (ainda que um tanto tontos) dos companheiros,
continuou:
—
Uma tradição baiana e brasileira é que se pode adquirir uma fita do Senhor do
Bom Fim e atá-la no pulso dando três nós. Ao fazer isso, deve-se mentalizar um desejo.
Reza a tradição que, ao se romper a fita, o desejo se realiza.
Ninguém
conseguia dizer uma palavra. Não era possível saber onde aquele sujeito,
conhecido por sua argúcia intelectual queria chegar. Sequer tomar mais um gole
de chope era possível. Todos estavam paralisados (um pouco pelo excesso de álcool,
mas muito pela colocação inusitada do amigo).
—
Vejam! — continuou ele — Com o advento da tecnologia houve um grande avanço na
manufatura de tecidos. Os tecidos sintéticos tornara-se mais duráveis e até mais
baratos que os naturais. Como conseqüência, as fitinhas do Senhor do Bom Fim passaram
a ser feitas com tecido sintético. Devido à durabilidade do tecido e ao fato de
que esse material não se decompõe facilmente, pois é à base da plástico, as
fitas demoram muito mais para cair, e portanto fazendo com que os desejos sejam
muito mais custosos de serem alcançados.
Acabando
de dizer isso, pegou seu copo de chope e esvaziou-o em um gole.
A
conta foi trazida pelo garçom, que na sua sensibilidade, cevada em anos de experiência,
percebeu que algo estava errado naquela mesa. Já trouxe a conta dividida pelo
número de integrantes. Cada um colocou o dinheiro da sua parte na mesa e, despedindo-se
apenas com um aceno, saiu na direção de sua casa.
A
perplexidade, no fundo , era porque ficara no ar um sentimento de que, de algum
modo, aquele colega tinha razão. Embora fossem ávidos usuários das novas tecnologias,
no fundo sabiam que algo se esvaía de suas vidas, e não sabiam bem nem por que,
nem o quê.
2 comentários:
Observo que a sintonização tecnológica neste texto está perfeita. Ou seja, se os desejos primeiros estão se tornando de difícil acesso, há que a simplória fitinha do bonfim estar em tempo correto também...Mas se pode ir mais longe..Onde foi que nos perdemos do essencial?...
Pois é, Denise... muitas vezes nos perdemos do essencial...
Há de se observar qdo ocorre o desvio do caminho para que possamos retomá-lo a tempo.
Mas... nem sempre estamos atentos...nem sempre temos insônia e, portanto, não temos tempo para enxergar tanta coisa q deveríamos.
Enfim... C'est la vie!!
beijo
Rute
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